A morte de Nanã












(Áudio: "A Morte de Nanã", de Patativa do Assaré)
Fonte



A MORTE DE NANÃ, de Patativa do Assaré

Eu vou contá uma histora, que eu não sei como comece,
Pruquê meu coração chora, a dô no meu peito cresce,
Omenta o meu sofrimento, e fico uvindo o lamento
De minha arma dilurida, pois é bem triste a sentença
De quem perdeu na isistença, o que mais amou na vida.

Já tou velho, acabrunhado, mas inriba dêste chão,
Fui o mais afortunado, de todos fios de Adão.
Dentro da minha pobreza, eu tinha grande riqueza:
Era uma querida fia, porém morreu muito nova.
Foi sacudida na cova, com seis ano e doze dia.

Morreu na sua inocença, aquêle anjo incantadô,
Que foi na sua isistença, a cura da minha dô
E a vida do meu vivê. Eu bejava, com prazê,
Todo dia, demenhã, sua face pura e bela.
Era Ana o nome dela, mas, eu chamava Nanã.

Nanã tinha mais primô, de que as mais bonita jóia,
Mais linda do que as fulô, de un tá de Jardim de Tróia
Que fala o dotô Conrado. Seu cabelo cachiado, .
Prêto da cô de viludo, Nanã era meu tesôro,
Meu diamante, meu ôro, meu anjo, meu céu, meu tudo,

Pelo terrêro corria, sempre sirrindo e cantando,
Era lutrida e sadia, pois, mesmo se alimentando
Com feijão, mio e farinha, era gorda, bem gordinha
Minha querida Nanã, tão gorda que reluzia.
O seu corpo parecia, uma banana-maçã.

Todo dia, todo dia, quando eu vortava da roça,
Na mais compreta alegria, dento da minha paioça
Minha Nanã eu achava. Por isso, eu não invejava
Riqueza nem posição, dos grandes dêste país,
Pois eu era o mais feliz, de todos fio de Adão.

Mas, neste mundo de Cristo, pobre não pode gozá.
Eu, quando me lembro disto, dá vontade de chorá.
Quando há sêca no sertão, ao pobre farta feijão,
Farinha, mio e arrôis. Foi isso que aconteceu:
A minha fia morreu, na sêca de trinta e dois.

Vendo que não tinha inverno, o meu patrão, um tirano,
Sem temê Deus nem o inferno, me deixou no desengano,
Sem nada mais me arranjá. Teve que se alimentá
Minha querida Nanã, no mais penoso matrato,
Comendo caça do mato, e goma de mucunã.

E com as braba comida, aquela pobre inocente
Foi mudando a sua vida, foi ficando deferente.
Não sirria nem brincava, bem pôco se alimentava
E inquanto a sua gordura, no corpo diminuía,
No meu coração crescia, a minha grande tortura.

Quando ela via o angu, todo dia demenhã,
Ou mesmo o rôxo beju, de goma de mucanã,
Sem a comida querê, oiava pro dicumê,
Depois oiava pra mim, e o meu coração doía,
Quando Nanã me dizia: Papai, ô comida ruim!

Se passava o dia intêro, e a coitada não comia,
Não brincava no terrêro, nem cantava de alegria,
Pois a farta de alimento, acaba o contentamento,
Tudo destrói e consome. Não saía da tipóia
A minha adorada jóia, infraquecida de fome.

Daqueles óio tão lindo, eu via a luz se apagando
E tudo diminuindo. Quando eu tava reparando
Os oínho da criança, vinha na minha lembrança
Um candiêro vazio, com uma tochinha acesa
Representando a tristeza, bem na ponta do pavio.

E, numa noite de agosto, noite escura e sem luá,
Eu vi crescê meu desgôsto, eu vi crescê meu pená.
Naquela noite, a criança, se achava sem esperança
E quando vêi o rompê, da linha e risonha orora,
Fartava bem pôcas hora, pra minha Nanã morrê.

Por ali ninguém chegou, ninguém reparou nem viu
Aquela cena de horrô, que o rico nunca assistiu,
Só eu a minha muié, que ainda cheia de fé
Rezava pro Pai Eterno, dando suspiro maguado
Com o rosto seu moiado, das água do amó materno.

E, enquanto nós assistia, a morte da pequenina,
Na menhã daquele dia, veio um bando de campina,
De canaro e sabiá, e começaro a cantá
Um hino santificado, na copa de um cajuêro
Que havia bem no terrêro, do meu rancho esburacado.

Aqueles passo cantava, em lovô da despedida,
Vendo que Nanã dexava, as misera desta vida.
Pois não havia ricurso, já tava fugindo os purso.
Naquele estado misquinho, ia apressando o cansaço,
Seguido pelo compasso da musga dos passarinho.

Na sua pequena bôca, eu via os laibo tremendo
E, naquela afrição lôca, ela também conhecendo
Que a vida tava no fim, foi regalando pra mim
Os tristes oínho seu, fêz um esfôrço ai, ai, ai,
E disse: "Abença, papai!". Fechó os óio e morreu.

Enquanto finalizava, seu momento derradêro,
Lá fora os passo cantava, na copa do cajuêro.
Em vez de gemido e choro, as ave cantava em coro.
Era o bendito prefeito, da morte do meu anjinho.
Nunca mais os passarinho, cantaro daquele jeito.

Nanã foi, naquele dia, a Jesus mostrá seu riso
E omentá mais a quantia, dos anjo do Paraíso.
Na minha maginação, caço e não acho expressão
Pra dizê como é que fico. Pensando naquele adeus
E a curpa não é de Deus, a curpa é dos home rico.

Morreu no maió matrato, meu amô lindo e mimoso.
Meu patrão, aquele ingrato, foi o maior criminoso
Foi o maió assassino. O meu anjo pequenino
Foi sacudido no fundo, do mais pobre cimitero
E eu hoje me considero, o mais pobre dêste mundo.

Soluçando, pensativo, sem consôlo e sem assunto,
Eu sinto que inda tou vivo, mas meu jeito é de defunto.
Invorvido na tristeza, no meu rancho de pobreza,
Tôda vez que eu vou rezá, com meus juêio no chão,
Peço em minhas oração: Nanã, venha me buscá! (Fonte)

Patativa do Assaré




(Vídeo: Cena "A Morte de Nanã", espetáculo ARGUMAS DE PATATIVA) (Fonte)

As esculturas que ilustram esta matéria, foram produzidas para integrar o oratório que compõe a cenografia da cena “A Morte de Nanã”, espetáculo "ARGUMAS DE PATATIVA" da Cia Teatro do Pé. Escultor: Mateus Lopes (Fonte)



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